
Um dos poucos dados capazes de jogar luz sobre o tamanho do impacto da inteligência artificial no universo da desinformação vem do Google.
Em 28 de fevereiro, quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovou uma resolução proibindo o uso de deepfakes e estabelecendo limites para o uso de inteligência artificial na campanha eleitoral deste ano, a Lupa mergulhou na API do Google para entender o problema que a Corte tenta endereçar: seu tamanho, suas características e seus formatos mais populares.
O volume e o idioma das checagens sobre IA
Entre 1 de março de 2023 e 28 de fevereiro de 2024, 509 checagens profissionais foram publicadas e indexadas pelo Google fazendo menções às expressões “inteligência artificial” ou “deep fake” em suas respectivas traduções para os dez idiomas mais falados do mundo (inglês, mandarim, espanhol, hindu, francês, árabe, bengali, russo, português e urdu).
Isso significa que, em um ano, uma média de 42 fact-checks foram publicados por mês apontando para falsidades, exageros ou distorções tecnologicamente criadas — ou simplesmente falando de casos em que há relação direta com o tema inteligência artificial. E esse número está em ascensão.
Dados da API do Google indicam que, se observados apenas os dois primeiros meses de 2024, a média de checagens que sinalizam mentiras fabricadas por IA ou que abordam o tema de forma genérica subiu para 70 por mês, numa alta de 62%.
Um mergulho no português
No período de 12 meses analisados, os checadores que trabalham em português publicaram 25 verificações que apontavam para falsidades tecnologicamente fabricadas ou que simplesmente mencionavam IA em seus textos. A curva ascendente observada na totalidade dos idiomas entre dezembro de 2023 e fevereiro de 2024 também ocorre na língua portuguesa.
Se a média mensal de fact-checks relativos à IA do ano passado não chegou a 2 (foi de 1,8), nos dois primeiros meses deste ano pulou para 3,5 checagens desse tipo a cada 30 dias. Há diversas razões para esse crescimento. A principal delas, a inegável popularização do assunto.

Nove organizações de mídia publicaram ao menos uma checagem sobre inteligência artificial no período analisado.
Qual o cenário no Brasil?
Quando excluídos da análise os conteúdos flagrados em Portugal, chega-se a um total de 19 checagens indicando uso controverso de IA ou mencionando esse assunto tendo sido publicadas em língua portuguesa ao longo de um ano. E, nesse universo, chama atenção o fato de seis dessas checagens – ou seja, quase um terço – terem vindo à tona em 2024, comprovando a tendência de alta.
O dado mais relevante, no entanto, vem da análise do conteúdo. Nenhuma das verificações trata de fotos, vídeos ou áudios ligados à política ou a políticos nacionais. Nenhum partido ou coalizão é mencionado nas peças desinformativas fabricadas por IA. A única que menciona eleição não trata de um conteúdo manipulado. Apenas mostra que o fundador do Fórum Econômico Mundial, Klaus Schwab, não defendeu que a inteligência artificial deve substituir processos eleitorais. A checagem comprova que frases ditas por Schwab foram editadas e tiradas de contexto.
No conjunto, não há qualquer indícios de que a IA foi usada contra o Judiciário nem contra o Legislativo brasileiro. A palavra “governo”, seja em referência a qualquer forma de governança, aparece em três checagens que mencionam IA.
Uma, feita pela equipe do fatos ou fakes, alerta para um vídeo manipulado em que o apresentador de televisão Luciano Huck aparece. A gravação inclui um áudio que jamais foi gravado por Huck para aplicar o golpe do ‘Saque Esquecido’. Esse áudio foi gerado artificialmente, e o link que acompanha esse material não remete a um site do governo (do tipo gov.br), mas a um domínio suspeito.
As outras duas checagens com a palavra “governo” também não mostram conteúdos manipulados. Apenas tratam do assunto inteligência artificial. Apontam que é falsa a informação de que o Fórum Econômico Mundial tenha ordenado a governos do mundo que a Bíblia fosse reescrita por IA (aqui e aqui).